“Lembra-te que és pó,
e ao pó hás de voltar”.
“Tu amas, Senhor,
todas as coisas que existem e nada desprezas do que criaste; se odiasses alguma
coisa, não a terias criado... Tu conservas todas as coisas, porque todas são
tuas, Senhor, amante da vida” (Sab 11,24-26).
“Ó morte, onde está a
tua vitória?”.
Em tempo de quaresma,
que começa com o sugestivo (para alguns) e mágico (para outros) rito das
cinzas, pensemos na vida, pois o fim do caminho da quaresma (símbolo da
caminhada de nossa vida humana) é a celebração da vitória da Vida sobre a morte em
Cristo Jesus.
“Tu és pó!”. O
homem, então, é pó? Que tipo de homem seria esse?
Com certeza, é o
homem que se afastou de Deus, rejeitou o diálogo, foi expulso de sua casa,
repeliu o dinamismo do amor, para enveredar numa trajetória de dissolução e de
morte. Ou o homem que se opõe a Deus, vira as costas ao seu próprio ser,
rejeita sua identidade de filho e condena a si mesmo ao nada. É o homem que se
afasta da vontade do Criador.
Felizmente, nesse
itinerário de afastamento, existe a possibilidade de uma volta. É possível
mudar de direção e voltar à origem. É possível não caminhar para a morte, mas
voltar à Fonte. E a FONTE, “ que mana e corre, mesmo de noite”, é
Deus, AMANTE DA VIDA.
Eis a conversão! “Lembra-te
que és pó, e como pó voltarás....a Deus”. Basta querer. Desde já. É
preciso somente tornar-se terra e entregar-se novamente ao Construtor, ao
Criador. E aceitar que Ele nos faça de novo. O Artista Divino é capaz de
refazer-nos conforme seu projeto original e quer que sejamos sua obra-prima.
Se por acaso erramos,
perdemos o caminho da vida ou o sentido do Reino e envolvemos outros em nossa
culpa, aceitando nossa realidade, isto é, que somos pó, Ele inclinar-se-á sobre
nós para soprar seu sopro de vida.
Assim nosso “nada”
será transformado no “tudo” pela plenitude divina. E se ainda nos rebelamos,
não aceitando seu projeto e quebrando nossa identidade divina, mesmo em
pedaços, gritando de dor e com saudade da casa paterna, Ele saberá
reconhecer-nos e, com mão delicada, recolherá os pedaços e nos recriará. Pois,
nenhum artista – tanto menos o Artista Divino – dá por perdida qualquer uma de
suas obras.
Todo ser humano é
fruto do amor transbordante de Deus. Se prestarmos atenção, este amor de Deus
se manifesta em tudo. Uma menina que procurava ansiosamente por Deus, depois de
fazer a descoberta de sua presença na vida, em qualquer tipo de vida, escreveu
atrás de uma fotografia de um prado florido: “Esta é uma fotografia tirada
antes de descobrir que Deus nos sorri, nos ama e fala do seu amor para nos
nas flores, nas árvores, nas estrelas, em cada gota de vida”.Nunca poderemos
entender verdadeiramente quanto Deus seja Deus-para-nós.
O segredo da
felicidade é uma vida com Deus. Longe Dele, ser feliz é praticamente
inconcebível. “Nossa vida nasce, vive, amadurece e chega ao fim em relação
existencial e moral com Deus. Aqui está toda a esperança da vida, aqui a
filosofia da verdade, aqui a teologia do nosso destino... O homem não pode ser
entendido sem esta referência essencial com Deus, que incumbe sobre nós, que
nos conhece, observa-nos, penetra-nos, conserva-nos continuamente. Ele é o Pai
de nossa vida”(Paulo VI).
Deus Pai nos ama,
sustenta-nos, acaricia-nos, torna-nos felizes, seja que estejamos num
leito de dor, seja que estejamos num prado de flores.
Pensando em cinzas,
em quaresma, é bom pensar na vida: a vida que surge e ressurge do pó, das
cinzas, da conversão, do sopro do Espírito. E nada: nem cinzas, nem lama, nem
poeira, nem pecado algum será empecilho para reconhecermos em nós e nos
outros o resplendor do rosto de um filho de Deus.
Pensemos não nas
cinzas do túmulo, da morte, mas num punhado de terra na mão do Artífice Divino,
no momento solene da Criação; um punhado de terra pronto a receber o
“sopro” e tornar-se, assim, “vivente”.
Pensemos no Senhor
que “trata com indulgência todas as coisas, porque todas são suas, do Senhor,
amante da vida” (Sab 11, 26). Conversão, afinal, é abraçar a vida!
Frei Pierino
Orlandini
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